O Perfil do Caminhoneiro Brasileiro 2025 - 5ª. Edição

A pesquisa “O Perfil do Caminhoneiro no Brasil” é um importante instrumento de informação sobre a efetividade do Programa Na Mão Certa nas estradas. Realizada a cada cinco anos desde 2005, primeiro pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, desde 2010, pela Universidade Federal de Sergipe, tem o objetivo de investigar como é a vida do caminhoneiro brasileiro e, qual a relação dele com a exploração sexual de crianças e adolescentes (ESCA) nas estradas.

A 5ª edição da pesquisa “O Perfil do Caminhoneiro Brasileiro” teve um número recorde de participação: 620 motoristas de caminhão, dos quais 499 foram selecionados de forma aleatória, reunindo profissionais de todos os Estados brasileiros, enquanto 121 constituem um Grupo Controle formado por motoristas de empresas ligadas ao Programa Na Mão Certa e sediadas nos seguintes Estados: Bahia, Mato Grosso, Paraná, Rondônia e São Paulo.

Além de investigar aspectos relacionados ao comportamento sexual e às interações com o comércio sexual e a ESCA, o estudo aborda desafios diários, condições de trabalho e situações que impactam diretamente o exercício da cidadania. Também busca entender questões relacionadas ao uso de tecnologia e da internet, analisando de que forma as ferramentas digitais influenciam a rotina, a segurança e a eficiência dos motoristas.

A ampliação do escopo tradicional de abordagem é um avanço importante dessa edição. A pesquisa aprofundou e segmentou a análise em setores logísticos de alta relevância estratégica, com o objetivo de compreender variáveis circunstanciais que podem favorecer a ocorrência da ESCA, permitindo uma leitura mais precisa dos territórios vulneráveis a crimes contra crianças e adolescentes.

Para isso, se dedicou a dois setores específicos: rotas do agronegócio, com foco no escoamento de grãos pelas Regiões Centro-Oeste e Norte, e áreas portuárias e de fronteiras, com coletas de dados realizadas em Cubatão, Santos, Paranaguá e Foz do Iguaçu, reconhecendo a complexidade e a importância desses hubs para a cadeia de suprimentos e a logística intermodal.

E, para dar continuidade ao olhar cuidadoso às motoristas mulheres, que estão a cada ano ganhando mais espaço nessa profissão, foram realizadas entrevistas qualitativas com nove caminhoneiras, visando a analisar perspectivas sobre o trabalho que realizam.

Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (ESCA)

Uma das mais significativas constatações dos estudos realizados desde 2005 é a contínua diminuição do envolvimento dos caminhoneiros com a exploração sexual de crianças e adolescentes (ESCA). A 5ª edição da pesquisa, realizada em 2025, solidifica essa tendência, apontando que 96% dos pesquisados afirmaram não ter feito sexo com esse grupo específico nos últimos cinco anos.

Este é um avanço considerável em relação aos dados da 4ª edição (2021), quando 90% dos participantes responderam que não fizeram sexo com crianças e adolescentes. O progresso é ainda mais nítido quando comparado a 2015 (87%) e, especialmente, à primeira pesquisa em 2005, quando esse número era alarmante: apenas 63% afirmavam não ter tido relações sexuais com crianças e adolescentes nos últimos cinco anos.

Em relação ao indicador sobre a oferta de “serviços sexuais” envolvendo meninas menores de 18 anos, houve pouca variação em relação à edição de 2021, sugerindo um cenário de estagnação. Cerca de metade dos caminhoneiros, 54%, afirma ainda ser comum ver meninas exploradas sexualmente. Apesar da redução expressiva desde 2005, quando 93,7% reconheciam essa prática nas estradas, os índices atuais permanecem altos e preocupantes.

Chama atenção o aumento na percepção da exploração sexual de meninos, com 43% dos entrevistados, em 2025, relatando ser comum presenciar esse tipo de situação — um crescimento considerável em relação aos 32% registrados na edição anterior, o que pode indicar maior presença de vítimas do sexo masculino nas estradas.

O Perfil do Caminhoneiro Brasileiro

Em relação ao perfil demográfico, é possível perceber semelhanças com o que foi identificado na edição anterior (2021). O caminhoneiro brasileiro é predominantemente homem, com idade média próxima aos 45 anos e tempo médio de profissão de 17 anos.

A manutenção da média de idade significa que o grupo não “envelheceu” e novos profissionais devem estar chegando ao mercado. Já a média de profissão sugere a estabilização do tempo de trabalho para a categoria.

Na edição anterior, observou-se uma queda expressiva na renda média dos caminhoneiros, apontada como um dos principais fatores para a deterioração das condições de trabalho. Em 2025, essa tendência foi revertida: a renda nominal média passou de R$ 3.200, em 2021, para R$ 6.000, mas ainda está longe do poder de compra de 2010.

Como reflexo da autoimagem da categoria, cerca de 86% dos caminhoneiros acreditam que a profissão é malvista pela sociedade — percentual muito próximo ao de 2021 e ligeiramente melhor que o de 2015, quando 90% compartilhavam essa percepção negativa.

Além disso, a pesquisa traz elementos que reforçam a tendência de precarização da qualidade de vida e de trabalho dos caminhoneiros. As condições inadequadas dos pontos de parada representam um problema crônico: as queixas mantêm-se praticamente estáveis nos últimos anos da série histórica e se concentram em necessidades básicas, como banheiros limpos (80,0%), comida boa (70,0%), comida barata (63,5%) e atendimento médico/odontológico (50,7%).

Crenças e comportamentos

O comportamento conservador e machista permanece em alta entre os caminhoneiros brasileiros. O diagnóstico novamente se alinha ao contexto geral da sociedade e população masculina do País, evidenciado no apoio à pena de morte e à redução da maioridade penal.

Na Amostra Total as afirmações com maiores índices de concordância foram: “Redução da maioridade penal” (77,3%), “O Brasil deveria ter pena de morte” (59,4%), e “Direito ao porte de arma” (58,9%). Outro destaque: 6,5% dos participantes dessa mesma amostragem concordam que meninas menores de 18 anos podem se prostituir.

Um aspecto importante é que essa visão de mundo conservadora não se traduz em uma melhor compreensão sobre a gravidade da exploração sexual de crianças e adolescentes. Na pesquisa de 2025, assim como na edição de 2021, 21% dos caminhoneiros afirmaram não ver a ESCA como um crime, tratando a questão sob uma ótica de julgamento moral ou, em alguns casos, culpabilizando a própria vítima.

A Tecnologia e a Vida nas Estradas

Em relação às principais plataformas usadas pelos caminhoneiros para buscar informações profissionais, as mais citadas são YouTube, WhatsApp e TikTok. O YouTube lidera o ranking, citado por 58,8% da Amostra Total, 59,9% do Grupo Aleatório e 56,8% do Grupo Controle. Em seguida vem o WhatsApp, mencionado por 45,8%, 52,1% e 33,8%, respectivamente.

Mas a internet também vem se configurando como um novo meio de exposição e envolvimento com a exploração sexual de crianças e adolescentes. Nessa edição, 17,4% dos participantes afirmaram utilizá-la para assistir a pornografia, enquanto 4,2% relataram buscar relacionamentos on-line.

O ambiente virtual, onde estão hospedados os vídeos pornográficos, pode também ser uma via para a oferta de sexo envolvendo crianças e adolescentes. Em 2021, 6,7% dos caminhoneiros relataram já ter recebido propostas desse tipo pela internet; em 2025, o percentual subiu para 9,5%. Além disso, 7,7% afirmaram já ter visto conteúdo sexual envolvendo crianças ou adolescentes on-line.

Motoristas que conhecem o Programa Na Mao Certa são mais conscientes sobre a ESCA

Considerando que a amostragem do Grupo Controle incluiu muitos motoristas terceirizados que ainda não tiveram contato com o Programa Na Mão Certa e os materiais educativos por ele oferecidos, essa edição optou por investigar as diferenças entre quem conhece e quem não conhece essa iniciativa.

Algumas dessas diferenças são bastante reveladoras. A concordância com a afirmação de que “as mulheres devem obedecer aos homens” é significativamente maior entre os que não conhecem o Programa, 25%, do que entre os que conhecem, 11%.

Outra diferença importante relacionada a gênero se refere à frase “homens devem sustentar a casa sozinhos”, para a qual a concordância de quem não conhece o Programa é de 60%, contra 55% de quem conhece. Quando perguntamos sobre a tolerância à infidelidade masculina, 8,8% dos que conhecem o Programa concordaram contra 9,3% que não conhecem.

Esses resultados indicam que o contato com as ações de conscientização realizadas pelo Programa está associado a menos crenças machistas e a maior sensibilidade à exploração sexual de crianças e adolescentes, ainda que, no conjunto da amostragem, prevaleça um perfil conservador.

O Perfil das Caminhoneiras Brasileiras

O setor de transporte rodoviário de cargas segue sendo majoritariamente masculino, mas cresce o número de mulheres que ingressam na profissão de caminhoneira. Para essa edição da pesquisa, foram realizadas nove entrevistas em profundidade, ampliando a compreensão sobre as barreiras que afetam a permanência e o bem-estar feminino na carreira.

Entre as entrevistadas, há maior presença de mulheres nas Regiões Sul e Sudeste, onde as condições de trabalho e infraestrutura são mais favoráveis, além de haver uma concentração em trechos mais curtos, urbanos ou intermunicipais.

Elas afirmaram ter ingressado na profissão por escolha própria, motivadas por interesse e autonomia, contrariando estereótipos de que o trabalho seria resultado da falta de oportunidades. Também relataram boa aceitação entre os colegas homens, sem menções a episódios explícitos de preconceito ou discriminação, o que sugere uma convivência profissional respeitosa e colaborativa.

A principal dificuldade, entretanto, não está nas relações interpessoais, mas na infraestrutura disponível nos pontos de parada. O destaque negativo absoluto recai sobre as condições dos banheiros, unanimemente descritos como “o pior aspecto da profissão”, em semelhança à resposta dos caminhoneiros.

União de esforços para erradicar a ESCA

Produzir dados sobre a realidade da ESCA nas estradas brasileiras continua sendo fundamental, já que esse crime ainda enfrenta grandes desafios de reconhecimento por parte das autoridades e da sociedade.

A união de esforços para erradicar a ESCA só é possível quando baseada em evidências — e a pesquisa “O Perfil do Caminhoneiro Brasileiro” tem contribuído de forma contínua para demonstrar os impactos positivos já alcançados, ao mesmo tempo em que lança luz sobre desafios, tanto novos quanto persistentes, que ainda precisam ser superados.