A pesquisa “O Perfil do Caminhoneiro no Brasil” é um importante instrumento de informação sobre a efetividade do Programa Na Mão Certa nas estradas. Realizada a cada cinco anos desde 2005, primeiro pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, desde 2010, pela Universidade Federal de Sergipe, ela tem o objetivo de investigar como é a vida do caminhoneiro brasileiro e, qual a sua relação com a exploração sexual de crianças e adolescentes nas estradas.
Este perfil está em transformação. A série histórica mostra um aumento do percentual de evangélicos, conforme tendência da população geral no Brasil; o “envelhecimento” dos profissionais, puxado especialmente pela categoria de autônomos – que em sua maioria não tem planos de aposentadoria ou não contribuiu no início da profissão, elevando a idade de parada; e uma queda da renda real do profissional – atualmente de 2,9 salários-mínimos, que era de 4,55 em 2015 e 5,77 em 2010.
Além disso, o conservadorismo se destaca, acompanhado de indicadores de machismo, com alto grau de concordância para questões como pena de morte, porte de arma e redução da maioridade penal. Isso reflete nos posicionamentos sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes (ESCA), já que o caráter punitivo como forma de resolução da ESCA se destaca em relação ao educativo.
A pesquisa também traz elementos importantes sobre como o aumento do acesso à internet impacta na relação do trabalho dos caminhoneiros e na exploração sexual de crianças e adolescentes. Atualmente, 82% dos profissionais usam o celular quando param na estrada; em 2005, o percentual era de 32%.
Um dos maiores destaques da pesquisa foi a diminuição significativa do relato de envolvimento com a exploração sexual de crianças e adolescentes. Entre os dados que amparam esta percepção está a afirmação direta de que 90% dos pesquisados não fizeram sexo com esse grupo específico nos últimos cinco anos. Em 2015, 87% responderam afirmativamente à mesma questão e em 2005 apenas 63% afirmavam não terem feito sexo com crianças e adolescentes nos últimos cinco anos.
Sobre o envolvimento próprio com comércio sexual e exploração sexual de crianças e adolescentes (ESCA), 20,5% concordaram com a afirmativa “Eu costumo sair com prostitutas” e 7,2% concordaram com “Acho que alguma prostituta com quem saí tinha menos de 18 anos”. Os índices mostram uma queda em relação a 2015, quando 26,4% relataram costumar sair com prostitutas e 12,7% achavam que alguma delas tinha menos de 18 anos. E mais de 60% relatam que ainda conseguem testemunhar situações de exploração sexual nas estradas, especialmente do Norte e Nordeste.
Ainda 43% disseram que foram abordados diretamente para fazer um programa sexual com criança ou adolescente, sendo que em 36% dos casos, um adulto ofereceu o programa com a criança. Ainda houve aumento de meninos envolvidos no comércio do sexo, especialmente na condição de transexuais e travestis. O estudo mostra que 6,7% das ofertas de programa sexual com crianças e adolescentes ocorreu pela internet – um sinal de que pode estar em curso a migração da mediação da exploração para o ambiente digital.
“Um dos resultados mais importantes para nós é a redução de relato de envolvimento de caminhoneiros com a exploração sexual na série histórica. Em 15 anos de Programa e de monitoramento desta questão, esta redução é um fato a celebrar. No entanto, a pesquisa traz algumas pistas de que com o advento e a democratização dos dispositivos móveis e do acesso à internet, a dinâmica da exploração sexual está mudando. A pesquisa sugere que a exploração sexual pode estar migrando para o ambiente online – o que reduz a presença de crianças e adolescentes nas estradas e impõe outros desafios para seu enfrentamento”, afirma Eva Dengler, gerente de programas e relações empresariais da Childhood Brasil.
Outro ponto importante do levantamento é que grande parte dos caminhoneiros tem conhecimento a respeito de leis e serviços de proteção às crianças e adolescentes. No entanto, esse entendimento é muito maior entre os caminhoneiros das empresas participantes do Programa Na Mão Certa. No caso dos trabalhadores dessas empresas, 94,3% conhecem campanhas contra a exploração sexual de crianças e adolescentes, enquanto o índice é de 60% no grupo geral.
Em relação ao tempo que os caminhoneiros passam na estrada e o período de espera por carga, em 2021, na amostra aleatória, os motoristas relataram uma média de 21,94 dias a cada viagem. Os dias ociosos ou a espera tem sido associada a um aumento de chances de envolvimento em situações de risco.
Entre as atividades mais realizadas enquanto estão parados, esperando por carga ou descansando na viagem, estão: usar o celular, usar a internet, dormir, conversar com os amigos, conhecer a cidade, ver TV, ler, beber e fazer sexo. Em 2021, fazer sexo ficou em 9º lugar. Em 2015, estava em 5º.
As demandas dos profissionais continuam sendo por questões básicas, como banheiros e comida. Destaca-se a grande e crescente demanda por internet – 94,4% dos caminhoneiros indicaram a necessidade de banheiros limpos; 88,8% comida barata; 83,2% comida boa; 71,6% internet/Wi-Fi.
“O fato de que não houve melhorias no setor e na qualidade de vida nas estradas é um fator preocupante. Fica evidente que os problemas nas estradas são os mesmos e permanecem sem solução. Aliada a isto, percebemos uma maior vulnerabilidade dos caminhoneiros autônomos em relação aos que são vinculados as empresas. O que faz com o que esses últimos estejam menos suscetíveis ao envolvimento e testemunho de exploração sexual de crianças e adolescentes”, reforça o professor da UFS, Elder Cerqueira-Santos, coordenador da pesquisa.
Em 2021, a maioria dos caminhoneiros (85,1%) citou a insegurança/violência nas estradas; 83,6% o alto custo dos combustíveis; 78,7% a má qualidade das estradas; 72,0% ficar longe da família; 65,3% a baixa remuneração; 60,4% o risco de acidentes; 55,2% a falta de cuidados de saúde; 48,5% a falta de atividade física; 34,3% jornada de trabalho pesada; 34,0% problemas com a PRE; 28,0% a falta de comunicação/internet e 25,4% problemas com a PRF.
Destaca-se o aumento das queixas sobre insegurança e violência, assim com a má qualidade das estradas. Além disso, a queixa sobre o preço do combustível foi destacada em 2021. Os motoristas demostraram alta insatisfação nos últimos anos, configurando o que eles denominaram como “abandono” do setor, pois não percebem melhorias nas estradas em obras e classificam o preço do combustível como impraticável.
Esta edição teve um questionário especialmente pensado para as mulheres caminhoneiras. Apesar do baixo percentual de caminhoneiras ouvidas na pesquisa, trata-se da primeira iniciativa de ouvir essas profissionais que tem ampliado sua participação em uma atividade tradicionalmente ocupada por homens nas estradas do Brasil.
O levantamento aponta que as mulheres ouvidas relataram ter estabelecido boas relações com colegas e funcionários dos locais de parada, carga e descarga. Outro destaque é que elas relatam que a presença feminina nos locais não é totalmente estranha ou nova, pois há funcionárias mulheres nos locais de parada e também a presença das esposas dos caminhoneiros, com quem as caminhoneiras relatam ter ótima relação.
Sobre as questões de comércio do sexo e exploração sexual nas estradas, as mulheres entrevistadas relataram um cenário similar ao informado pelos homens: presença do comércio do sexo e sabem da existência da exploração que envolve crianças e adolescentes. No entanto, como as rotas e locais de parada são mais limitados, elas relatam ter pouco contato com os ambientes mais vulneráveis. As mulheres dizem perceber que a presença feminina limita a abertura dos homens para atuação ou até conversas sobre estas questões.
Para esta edição da pesquisa “O Perfil do Caminhoneiro Brasileiro” foram entrevistados 268 motoristas de caminhão em diversas cidades do Brasil, sendo 215 de forma aleatória e 53 de um grupo de controle de empresas participantes do Programa Na Mão Certa. Assim como nas edições anteriores, foi considerada a estimativa de que o Brasil possui cerca de 2 milhões de caminhoneiros, aplicado uma margem de erro de 10% e nível de confiança de 90%.